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Entre os cacos da história: Sujeitos apagados-Parte 3

  • alessandradeolivei4
  • 21 de set. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 7 de out. de 2020

Alessandra de Oliveira Tristão

Jéssica Mendes Duarte


Sombrio uma cidade do Sul de Santa Catarina (imagem 1), no ano de 2016 reinaugura o Circuito Cultural e Religioso, conhecido popularmente como Calçadão (imagem 2), composto por objetos e imagens selecionadas para constituir a história de formação urbana do município.

Imagem 1: localização

Fonte: Google Maps


Imagem 2: Circuito Religioso de Sombrio

*Lado esquerdo seção dos mosaicos; ao fundo Paróquia Santo Antônio de Pádua. Fonte:https://www.sombrio.sc.gov.br/noticias/index/ver/codMapaItem/16603/codNoticia/367393


Mosaico 1- Composição Étnica

Fonte: Alessandra de Oliveira Tristão, 26/06/2020.


“Composição Étnica: Na sua composição étnica conta com os índios Carijós, seus primeiros habitantes, seguidos pelos portugueses continentais que trouxeram o povo africano, chegando os açorianos na segunda metade do século XVIII. Cem anos após chegaram os italianos e poloneses.” (PROJETO CALÇADÃO. Responsável Jone Cezar de Araújo; Acervo Pessoal Paola Vieira da Silveira)

Nos circuitos anteriores conseguimos nomear os sujeitos, entretanto nesse será um pouco diferente, já que eles não estarão ali. Nós já discutimos o termo aculturação e algumas de suas ramificações, hoje a pauta será sobre apagamentos, mas o que seria um apagamento? Quando vamos explicar com nossas palavras, podemos dizer que é algo que existia/existe, mas alguém usou uma “borracha” e apagou o que estava ali, certo?

Bom, ao longo da história alguns agentes sociais são mais privilegiados, e acabam sobressaindo, enquanto os outros ficam a margem dessa sociedade, e quando elencamos algo como o “principal” ou mais importante, automaticamente algo ou alguém ficará de fora, certo? Mas apagar não é apenas retirar algo da visão, mas remover suas características, seus traços, suas vestimentas...ficando um pouco escondidos(as) e apagados(as) mas eles estão ali.

Sobre o mosaico acima, você consegue distinguir as pessoas? Conseguimos saber quem é o Carijó, e os açorianos, mas e aquele pessoa negra? O intuito do artista é representar todos os descendentes de africanos moradores de diversas regiões apenas por essa pessoa, você percebe o quão problemático isso é? Pois, África é um continente, cercado de povos e culturas diferentes, assim, relacionar todas essas culturas e representá-la em apenas uma pessoa negra, é apagar todos esses povos que pisaram e fizeram/fazem parte da história da região.

Em 1948, Pe. Raulino Reitz editaria o livro intitulado “Paróquia de Sombrio”, [...] esse foi o primeiro trabalho produzido na Região Sul Catarinense, o primeiro a lançar as bases de um discurso que narra a ocupação das terras dessa região. A obra do Pe. Raulino Reitz constrói e reforça a imagem de que as terras da Freguesia foram ocupadas por populações brancas e européias. É certo que, ao mesmo tempo em que Reitz contribui para que se compreenda a ocupação das terras sul catarinense, também gera a ocultação, a invisibilidade das populações negras que estiveram presentes junto a seus senhores desde os primeiros anos do século XIX (SPRÍCIGO, 2002, p.34)

Na citação conseguimos observar a questão do privilégio que discutimos no começo do texto, evidenciando que no sul catarinense foram privilegiadas narrativas sobre as populações brancas e europeias, enquanto as demais foram apagadas, esquecidas ou desprezadas, como se não fossem importantes. Pra que possamos entender melhor, precisamos compreender, segundo Sprícigo (2002), a relação entre “o dito e não dito”. No Paróquia de Sombrio: ensaio de uma monografia paroquial 1938 a 1948 o Padre Reitz (já discutimos sobre ele nas postagens anteriores) classifica os negros como “morenos”, enquanto as demais famílias são designadas de acordo com sua etnia: lusos, ítalos. O termo “moreno” não designa, de maneira alguma, a etnia de um povo, e sim a cor, o que salienta o caráter preconceituoso e racial. (REITZ apud SPRÍCIGO, 2002, p.24).

O último caso citado, é um exemplo de apagamento, e por esse e outros motivos, hoje, não podemos ao certo dizer de que etnia africana estas pessoas pertenciam, porque não foi dito, sendo que cada região do continente possui diferentes povos, com línguas próprias, religiões e, portanto, culturas distintas. Do contrário como mostra o mosaico são povos cheios de energia e alegria; que foram submetidos a condições de escravidão, não permitindo que praticassem suas religiões e nem mesmo falassem suas línguas originais.

Entretanto estes sujeitos estiveram por aqui. Outro mosaico interessante e o da Migração Açoriana (mosaico 2), onde mostra parte do continente africano, que possui uma “girafa”, para assim representá-lo, mas na verdade este animal não se encontra em todas as regiões do continente, e que não passa de um clichê, onde o continente é visto como um lugar selvagem, constituído apenas por Savana. Além de enfatizar a migração europeia com mais destaque, os sujeitos negros foram apagados da história regional, pensa-se que eles não tiveram muita importância, e que a escravidão aconteceu apenas nas regiões norte e sudeste do Brasil, mas infelizmente, ela aconteceu aqui também. Sprícigo (2002) diz que na Freguesia do Araranguá (na qual a região de Sombrio pertencia primeiramente) todo o trabalho realizado para produzir farinha de mandioca, açúcar, aguardente, farinha de milho, eram feitos não apenas por mãos brancas dos senhores e seus familiares, mas por escravos, que, em quantidade significativa, se faziam presentes por toda a Freguesia.


Mosaico 2: Migração açoriana

Fonte: Alessandra de Oliveira Tristão 26/06/2020.


Dialogando com Clio: Mãos à obra


a) Neste circuito encerramos as postagens “entre os cacos da história”, entre as migrações, que apresentamos nos posts, qual recebeu mais destaque nos mosaicos? Por quê?


b)Ainda hoje o Brasil recebe migrantes de diferentes regiões do mundo, você acha que algumas são mais valorizadas que outras?


c)De acordo com a leitura você conseguiria dizer em suas palavras, o que é apagamento?


d) Você já assistiu alguma, série, filme, novela ou anime, que apaga “algo” para priorizar o outro?


BRINCANDO DE HISTORIADOR(A)


Para finalizar nosso circuito, precisamos da ajuda de vocês. Que tal, pesquisar mais sobre o continente africano? Os povos, as culturas, as roupas, as crenças? Uma dica, escolha um país específico e se aprofunde nele, para que assim, possamos colorir um pouco o que foi apagado.

Sabendo que a história nem sempre é feita de revoluções e momentos bons, muitos povos africanos e indígenas foram escravizados em nossas terras, como também aqui na região Sul, então com muito cuidado e responsabilidade, sugiro que pesquisem sobre essa escravidão. A dor também deve ser dita e lembrada.


Referência:

SPRÍCIGO, Antônio Cesar. Sujeitos Esquecidos, Sujeitos Lembrados: entre fatos e números a escravidão registrada na freguesia do Araranguá no século XIX. 2002. 196 f. Dissertação (Doutorado) - Curso de História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.

 
 
 

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cesaragc89
20 Eki 2020

grande sacada das autoras! nesse mural é possível ter em nitidez o que chamaríamos em historiografia de ocidentalização e tentativa frustada de esconder, ainda que de forma sutil a grande influencia da Africa na construção do sul. Nem de longe, na minha opinião, faz jus a infinda diversificação de raças que compõe o continente Africano, esse mural que desbota, ensaiando um apagamento, a representação do negro.

Beğen
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